
Por Fabiana Carvalho
Nos próximos dias, a UEM sediará, em suas dependências, a IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA). O evento visa debater o impacto do agronegócio, a importância da reforma agrária e da agroecologia para a justiça social e a sustentabilidade.
O agro, pop-censor, implicou com o tema da jornada: “Defender a vida, combater o agronegócio”. Piaram “grosso” a Sociedade Rural e outros sindicatos patronais ruralistas da região norte do Paraná. O Reitor da UEM sentiu-se na obrigação de justificar termos e temas, defendendo as Ciências Agrárias, a empregabilidade e a cadeia produtiva no setor, porém confundiu a opinião pública acerca da autonomia universitária, dos processos eletivos e da tramitação de cursos e projetos de extensão nos órgãos internos e departamentos, validados, sim, pelos pares e pró-reitorias. Não sei se o Reitor piou miúdo, pressionado. Desconfio.
Entre engaje, engado e engodo, a polêmica agitou a patota que gosta de Expoingá, John Deere, Monsanto, COSAN, crédito rural e Gustavo Lima.
“Não pode criticar o agronegócio”… É o imperativo! Porque ele é a força motriz do Brasil, porque sua comida e sua roupa tem origem no campo, porque o sr. fulano trabalha na cooperativa agrícola, a OMS liberou as moléculas de glifosato e, tudo bem, não haverá contaminação de solo ou água, alteração na incidência de câncer, danos à biodiversidade e mudança global por ações antrópicas. As justificativas são essas!
O Agronegócio é um braço do colonialismo que perdura no capitalismo global. Não sou eu quem diz. Malcon Ferdinand, Grada Kilomba, Nêgo Bispo, Ailton Krenak, Donna Haraway, Ana Primavesi, Alberto Acosta, Vandana Shiva, Dorothy Stang, Chico Mendes… Gente crítica ao desenvolvimentismo, que aponta o agro como herdeiro dileto das plantations.
Para quem não sabe, plantations são aquelas monoculturas ou monopecuárias cuja expropriação ambiental – à força – só foi possível com a expropriação da condição humana – e com violações brutais e traumas que envolveram inferiorizar raça, etnia, gênero, classe, território e cultura ao longo dos mais de 500 anos da história de ocupação dos territórios originários.
A lógica monocultural impulsionou, por exemplo, o cultivo industrial e o racismo (fundamento no qual se assenta, ainda hoje, a ideia de subvalorizar a mão de obra braçal ou os trabalhadores da terra). A industrialização das práticas agrícolas abriu caminho para os agrotóxicos testados no solo e nas pessoas. O mono não combina com a biodiversidade teimosa de insetos, plantas, fungos e pequenos animais competindo com as padronizações de soja, milho, cana, boi e com as grandes quantidades exigidas pelo mercado… Nem com remanescente de ecossistema limitando a expansão do cercado e do gado… Nem com fixar comunidades tradicionais e originárias aos seus ambientes… Nem com preservar floresta do avanço pastoril… Nem com água pura… Nem com lutar contra a precarização do trabalho no campo… Nem com permacultura, agricultura familiar, de base e práticas extrativistas menos invasivas… Nem com aceitar a distribuição de renda e a redistribuição alimentar, e por aí vai.
A monocultura é também cultivo do pensar; do pensamento único. Por isso, posicionamentos que acenam para a hegemonia. Por isso, subservientes do agronegócio se leem ricos como fazendeiros e pecuaristas, mas não são. Por isso, há cientistas pagos para fazer lobby das empresas agroquímicas, produtoras de defensivos agrícolas e alimentos transgênicos. Por isso, a música sertaneja atual é o canto das histórias de domínio das terras, de domínio dasmulheres, de pegação a laço e de herdeiro que torra dinheiro com caminhonete e festa de rodeio. Por isso, taxam os contrapontos e os contradiscursos de ideológicos, ridicularizam maneiras políticas outras de pensar o mundo no qual vivemos e a agricultura que praticamos!
Estão apontadas, a meu ver, as (não) razões de uma jornada universitária que debata as contradições do agronegócio.
Por isso, uma espécie de “macarthismo da roça” empreendido por representantes e simpatizantes do agro local… Por isso, a indeterminação das ideias e da liberdade de expressão como tentativas de sabotar os eventosacadêmicos cujos parceiros são os movimentos campesinos e sem terra, os ecologistas, as guardiãs dos saberes comunitários, os alunos, docentes e pesquisadores críticos ao agronegócio. Friso: agro aqui entendido como empreendimento sempre dependente da exploração de commodities, ligado ao mercado global e mantido por uma elite mesquinha e grileira atuante desde as capitanias hereditárias.
Não se enganem! O pensamento monolítico tem umlado hoje: a extrema-direita.
Que a gente não desanime do bom combate! Que a gente não desanime da defesa da vida! Sim, o agronegócio não é tudo! É tempo de cultivar alternativas!